terça-feira, 6 de outubro de 2009

Reencontros

Ao reencontrar uma velha amiga ontem na estação, desaparecida durante três anos da minha vida (ou eu desaparecido da sua), no breve e cínico instante do reencontro uma forte sensação de confrontação transcendeu o meu pensamento. Na minha viagem (que apenas agora começava) traduzi a sensação numa explicação: a confrontação, o meu presente e o meu passado, um no meu eu e o outro no seu, nos seus olhos uma memória do meu ser enquanto que eu, verdadeiramente, a soma daquela imagem com três anos de desaparecimento. O meu passado empestado nos seus olhos, inofensivo, preso na forma de uma memória, impotente frente ao espírito que o negou (e que continua a negá-lo), então rapidamente a imagem esmorece, a ideia morre transformando a confrontação numa incoerência. Como a minha velha amiga, é esta incoerência que diz: «estás diferente». O corpo intacto, completamente inalterado, como distinguir a diferença? Interessado no hipotético mecanismo da diferenciação metafísica pergunto-lhe porquê. Que poderia ter ela respondido? Que estou diferente «porque o teu presente tomou posse da imagem que eu tinha na memória.»? Eis porque a resposta se limita normalmente a uma especulação duvidosa. Mas muitas vezes é o contrário que acontece. A imagem do passado subordina o presente e a acção volta a encontrar um antigo fundamento, redefinindo momentaneamente o ser quando confrontado a um espectador do seu passado. A necessidade para manter a coerência é mais forte. Não se quer mostrar sinais de mudança, sinónimos de uma deterioração ou de um retrocesso ou até mesmo de uma traição ontológica. Tudo dependerá do valor atribuído aos momentos da nossa existência partilhados com os outros, os nossos espectadores.

A rapariga ruiva do café, se imortalizada na minha memória é talvez porque esta memória algures entre a confrontação e a coerência. A sua intemporalidade, que impossibilita qualquer relação com a minha existência, faz dela uma constante da minha realidade, ela, uma memória, a metamorfose instantânea de uma desconhecida num gesto infinito, numa inesgotável ideia estética do meu mundo.

Consciência da irrecuperabilidade do tempo

A obsessão pelo tempo foi substituída por um mórbido e desobediente desprovimento de vontade. A consciência nervosa, a urgência obcecada e...