sábado, 24 de outubro de 2009
Foi em Fevereiro que a Rainha de Inglaterra desceu Portugal inteiro
terça-feira, 6 de outubro de 2009
Reencontros
A rapariga ruiva do café, se imortalizada na minha memória é talvez porque esta memória algures entre a confrontação e a coerência. A sua intemporalidade, que impossibilita qualquer relação com a minha existência, faz dela uma constante da minha realidade, ela, uma memória, a metamorfose instantânea de uma desconhecida num gesto infinito, numa inesgotável ideia estética do meu mundo.
sábado, 3 de outubro de 2009
A fonte inteligível das nossas impotências
Ao procurarmos razões para as nossas escolhas alimentamos a ilusão do nosso controlo sobre nós mesmos e do nosso poder sobre o mundo. Acreditamos que ao entender a escolha alcançamos o nosso ser (talvez a alma, a mente, ambos ou nenhum). E se isso acontece é apenas porque existe uma pré-consideração (consciente ou inconsciente) no pensamento geral: a acção define o ser, ou simplificando na frase tantas vezes ouvida, “é aquilo que tu fazes que te define”.
É necessário esclarecer porque consideramos que a escolha e a acção podem ser legitimamente confundidas. As acções baseiam-se invariavelmente em escolhas. Uma acção involuntária é uma acção cuja escolha é ininteligível para o indivíduo.
Depois de Deus, a psicanálise é talvez a melhor invenção que o Homem produziu para alimentar a sua impotência. Mesmo quando o Homem perde o controlo, ele não deixa de saber porquê (ou porque Deus assim o quer ou porque, por exemplo, o superego está a ser reprimido por um poderoso inconsciente).
Existem então duas fontes diferentes para a justificação da impotência humana? Existem certamente muitas mais. Seja como for, Deus é talvez a única fonte universal para justificar qualquer impotência humana, ao contrário da psicanálise que apenas pode explicar uma impotência pessoal (porque é que não consigo aprender a nadar). Deus pode explicar esta mesma impotência pessoal (não consigo aprender a nadar simplesmente porque Deus assim o quer) e ao mesmo tempo explicar uma impotência extra-pessoal (porque é que não pude salvar a pessoa que estava a afogar-se; porque é que não pude prever que ia ter um acidente; porque é que não conseguimos salvar as pessoas que estavam presas na mina).
Mas de um ponto de vista racional, as impossibilidades são apenas factos (não conseguimos salvar as pessoas que estavam presas na mina porque não tínhamos meios técnicos para remover as pedras que bloqueavam o acesso) e não uma impotência humana com uma fonte pensável. Pensar que a impotência do Homem tem uma fonte é procurar uma causa, uma razão para essa impotência. Sem Deus, a impotência do Homem é uma mera impossibilidade. Sem Deus o Homem é impotente. Sem Deus o mundo não tem causa nem razão. Sem Deus o mundo é inexplicável. Mas sem Deus o mundo é verdadeiro. Ele é tal como o vemos: um mundo sem razão aparente.
Negar a impotência do Homem é alimentar a ilusão de um mundo melhor.
Se assim descobrimos a morte de Deus (como aconteceu e acontece desde o início das ciências, ou desde Nietzsche), o que acontece então à psicanálise? É ou não a psicanálise uma ciência? E a psicologia? Acreditar na psicologia não é acreditar numa natureza humana quantificável? Sim, acreditar na psicologia é acreditar numa natureza humana quantificável e relativamente uniforme. Mas esquecemos agora a psicologia (que mereceria uma bem grande discussão) para voltarmos brevemente à psicanálise. Enquanto que o Homem afasta-se cada vez mais de Deus (não me venham dizer que não), abraçando o terrível facto que as desgraças são simples factos desprovidos de uma razão ou fonte externa inteligível, o Homem continua obviamente obcecado por ele mesmo. Eis algumas actividades exclusivamente reservadas ao estudo do Homem e das suas criações: a psicologia; a psicanálise; a antropologia; a sociologia; a pedagogia; a neurologia; a economia; a história; o direito (a nova grande religião da humanidade “moderna”); a linguística; a sexologia; ect. A psicanálise e a psicologia transformaram-se, numa era agnóstica, nas únicas ciências capazes de explicar as impotências internas do Homem, sendo as externas um assunto completamente disparatado: por mais desagradável que é, um facto é apenas um facto.
Gostaria de perguntar um dia a um psicanalista se ele acredita em Deus. Não consigo aprender a nadar porque caí num poço quando era criança ou porque Deus assim o quer? Aparentemente não se pode acreditar ao mesmo tempo em Deus e na psicanálise.
(E se ele responder-me que foi Deus que me fez cair dentro do poço para eu não conseguir aprender a nadar? É provável que involuntariamente dar-lhe-ei uma chapada.)
domingo, 27 de setembro de 2009
Memórias de guerra (1944-1945), IV
domingo, 30 de agosto de 2009
Exemplo de um improvável grotesco na literatura
sábado, 22 de agosto de 2009
Metamorfoses do género: I - Porque não foi Hildegarda para a fogueira?
Hildegarda de Bingen, no século XII, afirmava receber visões de Deus [1], e dedicava-se a actividades que eram muito raramente permitidas a mulheres, como por exemplo a medicina e a teologia. É importante notar que Hildegarda vivia numa sociedade maioritariamente controlada pela Igreja, uma sociedade obviamente controlada por homens. A questão impõem-se: porque não foi Hildegarda para a fogueira? A teoria que vamos defender é que Hildegarda nunca chegou a ser, na sua sociedade, uma mulher.
Ao explicarmos como eram justificadas e permitidas estas fogueiras, explicaremos ao mesmo tempo porque Hildegarda não acabou numas delas. A pergunta que devemos fazer é: quem é que era queimado vivo? Uma mulheres ou uma bruxa? É certo que se tratavam de bruxas. Este tremendo esmagamento ontológico por parte da sociedade justificava as suas acções. Na verdade, é o sujeito que define a fogueira: se uma acto de justiça ou de barbárie. Este esmagamento ontológico pode ser observado ainda hoje em muitas ocasiões: na guerra, com o esmagamento do Homem pelo inimigo; nos tribunais, com o esmagamento do suspeito pelo culpado; ect.
Hildegarda conseguiu libertar-se do estatuto de mulher, escapando ao esmagamento ontológico que muitas outras sofreram: Hildegarda era vista como veículo de transmissão divina. Além disso, é sabido que era também misógina, o que vem reforçar a tese que se libertou propositadamente do feminino. Enquanto mulher, teria tido grandes dificuldades em fazer aceitar as suas actividades à sociedade. Hildegarda criou o seu próprio esmagamento ontológico. A mulher foi esmagada por um ser que recebia visões de Deus.
Simone de Beauvoir trata do carácter místico que as mulheres se podem adquirir: “S’il suffit souvent d’un peu de beauté e d’intelligence pour que la femme se sente revêtue d’un caractère sacré, à plus forte raison quand elle se sait l’élue de Dieu, elle se pense chargée de mission : elle prêche des doctrines incertaines, elle fonde volontiers des sectes, ce qui lui permet d’opérer, à travers les membres de la collectivité qu’elle inspire, une enivrante multiplication de sa personnalité.” [2]. E certamente como foi o caso para Hildegarda, é esta mistificação que a vai projectar, enquanto acção positiva, na sociedade. [3]
Se Hildegarda não recebeu verdadeiramente visões divinas, isto significa que terá propositadamente e engenhosamente modificado, ao olhos da socidade, a sua identidade.
quinta-feira, 20 de agosto de 2009
Memórias de guerra (1944-1945), III
segunda-feira, 6 de julho de 2009
Sobre o sobreviver
sexta-feira, 3 de julho de 2009
A experiência da Imperatriz
Quando a criança, agora adulta, completou os dezanove anos de idade, uma festa foi organizada no jardim do palácio. Para a ocasião mais de mil pessoas foram convidadas. No final do evento, uma execução foi organizada. Apesar das execuções serem consideradas bárbaras e inumanas, ninguém ousara levantar objecções. O jovem aniversariante foi instalado numa cadeira elevada por um pequeno pedestal de onde teria uma vista privilegiada para o evento, e de onde ele próprio seria também facilmente observado por todos os presentes. Terminada a execução, o público, horrorizado pelo terrível espectáculo, descobre ao mesmo tempo, sentado no cimo da sua cadeira, um jovem rapaz completamente indiferente a comer delicadamente o seu bolo de aniversário. Subitamente, por completo espanto de todos os presentes, o executado, supostamente atravessado por dezenas de balas, levanta-se sorrindo para o público. A multidão pensa então perceber ter-se tratado do habitual sarcástico humor negro da magnífica Imperatriz. Ao contrário de todos os outros, o aniversariante fica absolutamente espantado. A Imperatriz observa do cimo da sua varanda as reacção do jovem rapaz. Virando-se para os seus conselheiro, finalmente diz: «Senhores, o nosso povo é bom, justo e inteligente. É nas suas crianças que a barbárie, a injustiça e a estupidez potencialmente residem.» Pouco tempo depois, o jovem rapaz desapareceu.
sábado, 11 de abril de 2009
Ilusões
sábado, 28 de março de 2009
A possiblidade do utilitarismo em Aristóteles
A pergunta é simples: podemos encontrar em Aristóteles uma ideia utilitarista de bem? Sendo o termo ambíguo e cronologicamente deslocado em relação ao nosso autor, vamos em primeiro lugar introduzir ao nosso estudo o que queremos entender com utilitarismo: baseamo-nos numa concepção de utilitarismo em que o seu objectivo é garantir o maior bem do maior número possível de indivíduos. [1]
“A cidade é por natureza anterior à família e a cada um de nós, individualmente considerado; é que o todo é, necessariamente, anterior à parte” [2]. Nesta passagem, Aristóteles coloca a importância da cidade sobre a do indivíduo. À primeira vista, poderíamos imediatamente afirmar que aqui se encontra uma prova que o bem de muitos é preferível ao bem de poucos. Mas devemos perguntar em primeiro lugar se podemos igualar a cidade com a designação o maior número de indivíduos. Aristóteles complica a questão na segunda parte da citação. É que apesar de o todo ser necessariamente anterior à parte, não continua a parte a formar o todo? Não continua essa parte a ser essencial ao todo? Até que ponto se sustenta autonomamente a importância do todo? Mas Aristóteles continua: “Même si, en effet, il y a identité entre le bien de l’individu et celui de la cité, de toute façon c’est une tâche manifestement plus importante et plus parfaite d’appréhender et de sauvegarder le bien de la cité” [3]. É difícil agora negar a similitude entre a ideia de utilitarismo apresentada inicialmente. Mas a dúvida sobre a equivalência da cidade com a ideia de maior número de indivíduos mantém-se. Se assim podermos considerar a cidade, a igualizar com a ideia de maior quantidade de indivíduos, seria totalmente correcto afirmar que a ideia de bem em Aristóteles, em relação ao indivíduo e à cidade, segue uma linha de pensamento utilitarista. Se não, dificilmente o podemos fazer. O meio mais simples de responder com segurança a esta questão seria colocar ao próprio Aristóteles um dilema moral: se podermos para salvar a cidade da sua destruição torturar apenas um dos seus habitantes, o que seria correcto fazer? Isto seria então causar mal a uma das partes para bem do todo.
sexta-feira, 20 de março de 2009
A imperatriz
domingo, 1 de março de 2009
Sobre a semelhança das coisas no tempo
sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009
Democracia
domingo, 8 de fevereiro de 2009
Sobre a razão
David Hume, Tratado da Natureza Humana, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2001, p. 482.
quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009
Os escritores, os sonhadores e os outros
sexta-feira, 30 de janeiro de 2009
Sur l’Homme et la Nature
domingo, 18 de janeiro de 2009
Casos lógicos derivados da existência de Deus, I
Consciência da irrecuperabilidade do tempo
A obsessão pelo tempo foi substituída por um mórbido e desobediente desprovimento de vontade. A consciência nervosa, a urgência obcecada e...
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Ao escreve sobre um determinado assunto ou determinada situação, o jornalista nunca traduz, ou transmite, a realidade metafísica exactamente...
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Invejo algumas ideias improváveis. Alias, invejo grande parte delas. Um improvável por vezes grotesco. Alias, gosto particularmente das idei...
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