domingo, 31 de janeiro de 2010

A transformação da realidade pela comunicação: 3. O jornalismo – uma comunicação da realidade

O jornalismo comunica os dois tipos de realidade que até agora invocamos: ele nos mostra o mundo e ao mesmo tempo diz o que ele é e aquilo que significa ou representa. O jornalismo televisivo quer constantemente mostrar a realidade e provar que aquilo que mostra é bem real: “O importante é a ligação e o seu “efeito do real”: quem fala está presente no local, eis o “efeito do real”; é uma “verdadeira” testemunha e isso basta. Este sistema leva o verdadeiro jornalismo de investigação à ruína, pois uma “testemunha” […] transforma-se, na ideologia do directo, um valor absoluto, coisa também exigida a todos os jornalistas.”[3]. As imagens vêm ao mesmo tempo acompanhadas de comentários que explicam o que elas estão a mostrar. As testemunhas são entrevistadas para que elas possam exprimir as suas realidades físicas e metafísicas. O telespectador descobre assim uma realidade previamente apresentada e definida com determinados valores e representações. O telespectador limita-se a acreditar ou a não acreditar no comunicador.


[3] "L’important, c’est le branchement et sont «effet de réel» : celui qui parle est sur place, cela est une garantie d’authenticité, voilà l’«effet de réel» ; c’est un «vrai» témoin et cela suffit. Ce système signe la ruine du véritable journalisme d’enquête puisqu’un «témoin» […] devient, dans l’idéologie du direct, une valeur absolue, et que l’on exige de tout journaliste qu’il le devienne." Ignacio Ramonet, La tyrannie de la communication, Paris, Galilée (Folio actuel), 1999, p. 59.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

A transformação da realidade pela comunicação: 2. A comunicação e a realidade

Constatamos que a comunicação está na base da construção dos valores que atribuímos à realidade física. Esta comunicação, esta troca de informação sobre o meio que nos envolve, esta interacção constrói em cada um de nós uma realidade, uma visão do mundo. Construímos uma realidade comunicando-a.

Parece existir entre as diferentes formas de comunicação uma forma cujas as propriedades são mais propícias para comunicar a realidade: a comunicação por via da imagem: “Como afirmam os especialistas em comunicação: a imagem, quando é forte, oblitera o som e o olho vence sobre o ouvido. Algumas imagens são hoje muito vigiadas, ou, para ser mais concreto, algumas realidades são estritamente proibidas à imagem, sendo este o melhor meio para as ocultar. Não há imagens, não há realidade.”[2]. É importante perceber isso: antes da existência de uma comunicação que nos vai permitir de construir a nossa própria realidade, a nossa visão do mundo, existe uma comunicação do mundo, uma comunicação da realidade física.

Se cada pessoa tem um acesso único ao mundo, então todas as pessoas têm uma visão única do mundo. O problema desta afirmação reside na existência dos médias de informação que generalizam o acesso à realidade. Utilizaremos um exemplo para explicar esta situação: quando vemos na televisão um sítio que não conhecemos e onde nunca estivemos, tomamos naquele instante conhecimento da existência de uma pequena realidade física. Associamos depois a esta nova realidade física determinados valores, ou seja considerações, significações, criamos a nossa realidade sobre este pequeno pedaço do mundo que acabamos de entrever no nosso pequeno ecrã. Ao mesmo tempo muito outros telespectadores vão também tomar conhecimento deste sítio e criar considerações. Existe uma tendência, causada pela existência dos médias, para uma universalização do conhecimento do real. Se de um lado isto permite aumentar o nosso conhecimento da realidade física do mundo, esta comunicação generalizada da realidade, associada a certas patologias da comunicação, pode ser do outro lado um instrumento para uma banalização e uniformização global da realidade metafísica.

A comunicação generalizada da realidade através dos médias e do jornalismo é o tema do próximo ponto.


[2] "Comme l’affirment les experts en communication : l’image quand elle est forte, oblitère le son et l’œil l’emporte sur l’oreille. Certaines images sont désormais sous très haute surveillance, ou, pour être plus précis, certaines réalités sont strictement interdites d’images, ce qui est le moyen le plus efficace de les occulter. Pas d’image, pas de réalité." Ignacio Ramonet, La tyrannie de la communication, Paris, Galilée (Folio actuel), 1999, p. 46.

sábado, 9 de janeiro de 2010

A transformação da realidade pela comunicação: 1. A realidade

A comunicação interfere na realidade? Pode ela a modificar? De que tipo de comunicação estamos nós a falar e como definir ou circunscrever a realidade (ou o real) potencialmente modificado? Que interacção existe entre os dois conceitos?

Antes de tentarmos saber se a comunicação tem o poder de modificar a realidade, é necessário compreender e definir o que chamamos a realidade ou o real. A realidade é geralmente reconhecida como todo o universo físico que podemos conhecer através dos vários sentidos do nosso corpo. A realidade é então um simples espaço que observamos. Eis agora uma outra perspectiva sobre o conceito da realidade que nos será de uma grande utilidade para compreender como a comunicação a pode modificar: “ […] fazemos uma confusão entre dois aspectos diferentes daquilo que chamamos a realidade. O primeiro faz referência às propriedades puramente físicas, objectivamente sensíveis das coisas, e é intimamente ligada a uma percepção sensorial correcta, num sentido “comum”, ou a uma verificação objectiva, repetível e científica. O segundo refere-se à atribuição de um significado e de um valor a essas coisas, e fundamenta-se sobre a comunicação.”[1]. Apesar de podermos observar com os mesmos meios o mundo que nos rodeia, não o entendemos da mesma maneira. Esta distinção entre duas realidades, uma física e outra metafísica, uma dos objectos e uma outra dos valores, desvende uma lógica e um mecanismo onde a comunicação pode ter de facto uma função na modificação, ou até na criação dessa segunda realidade, cuja existência seria bastante difícil ou até mesmo impensável numa definição da realidade puramente física. É com estas noções que iremos abordar a comunicação no âmbito da realidade.


[1] "[…] on fait une confusion entre deux aspects différents de ce que nous appelons la réalité. Le premier a trait aux propriétés purement physique, objectivement sensibles des choses, et est intimement lié à une perception sensorielle correcte, au sens «commun» ou à une vérification objective, répétable et scientifique. Le second concerne l’attribution d’une signification et d’une valeur à ces chose, et il se fonde sur la communication." Paul Watzlawick, La réalité de la réalité. Confusion, désinformation, communication, Paris, Le Seuil, 1978, p. 137.

Consciência da irrecuperabilidade do tempo

A obsessão pelo tempo foi substituída por um mórbido e desobediente desprovimento de vontade. A consciência nervosa, a urgência obcecada e...