sábado, 28 de março de 2009

A possiblidade do utilitarismo em Aristóteles

A pergunta é simples: podemos encontrar em Aristóteles uma ideia utilitarista de bem? Sendo o termo ambíguo e cronologicamente deslocado em relação ao nosso autor, vamos em primeiro lugar introduzir ao nosso estudo o que queremos entender com utilitarismo: baseamo-nos numa concepção de utilitarismo em que o seu objectivo é garantir o maior bem do maior número possível de indivíduos. [1]

“A cidade é por natureza anterior à família e a cada um de nós, individualmente considerado; é que o todo é, necessariamente, anterior à parte” [2]. Nesta passagem, Aristóteles coloca a importância da cidade sobre a do indivíduo. À primeira vista, poderíamos imediatamente afirmar que aqui se encontra uma prova que o bem de muitos é preferível ao bem de poucos. Mas devemos perguntar em primeiro lugar se podemos igualar a cidade com a designação o maior número de indivíduos. Aristóteles complica a questão na segunda parte da citação. É que apesar de o todo ser necessariamente anterior à parte, não continua a parte a formar o todo? Não continua essa parte a ser essencial ao todo? Até que ponto se sustenta autonomamente a importância do todo? Mas Aristóteles continua: “Même si, en effet, il y a identité entre le bien de l’individu et celui de la cité, de toute façon c’est une tâche manifestement plus importante et plus parfaite d’appréhender et de sauvegarder le bien de la cité” [3]. É difícil agora negar a similitude entre a ideia de utilitarismo apresentada inicialmente. Mas a dúvida sobre a equivalência da cidade com a ideia de maior número de indivíduos mantém-se. Se assim podermos considerar a cidade, a igualizar com a ideia de maior quantidade de indivíduos, seria totalmente correcto afirmar que a ideia de bem em Aristóteles, em relação ao indivíduo e à cidade, segue uma linha de pensamento utilitarista. Se não, dificilmente o podemos fazer. O meio mais simples de responder com segurança a esta questão seria colocar ao próprio Aristóteles um dilema moral: se podermos para salvar a cidade da sua destruição torturar apenas um dos seus habitantes, o que seria correcto fazer? Isto seria então causar mal a uma das partes para bem do todo.



[1] Cf. “Utilitarisme” em: Encyclopédie philosophique universelle, PUF, 1998, p. 2685.

[2] Aristóteles, Pol., 1253a15.

[3] Aristóteles, EN, 1094b5.

sexta-feira, 20 de março de 2009

A imperatriz

A imperatriz acreditava no fatalismo. Do alto da sua varanda, o mundo um jardim eterno, as fontes opulentas com as suas bocas de pedra em vómitos contínuos, a imperatriz acreditava no fatalismo e no entanto, a imperatriz não se diz fatalista. Porque já não mais acredita no fatalismo? Não pode a imperatriz acreditar no fatalismo enquanto não-fatalista? Ah, que terrível enigma meu amigo. Em primeiro lugar, não nos podemos esquecer que o sujeito da nossa divagação é nem mais nem menos do que a soberana imperatriz da nossa grande nação. Na verdade meu amigo, estamos a tratar é da nossa nação e de como traçado o seu caminho pelos vales do tempo. Se a nossa imperatriz não acreditava no fatalismo, concluímos intuitivamente pela natureza da frase que a nossa imperatriz hoje já nele acredita. E no entanto sabemos que ela não é fatalista. Antes de tentarmos avançar mais no problema e saber como possível tal afirmação, meu amigo, discutamos antes sobre o significado de tal conclusão para a nossa nação. Parece-me correcto afirmar que se acontecer à nossa nação seguir um dos árduos e difíceis caminhos pelos vales do tempo, pouco ou nada a nossa imperatriz se espantará se o sábio povo fatalista que é o nosso se enraivar com as suas governações sem no entanto a moralmente castigar. Pois bem, se lá em cima estava escrito que a nossa imperatriz seria de má temperança para conduzir nações, que bem se pode fazer senão sermos filósofos e na mais pura temperança aceitarmos este fado? E eis porque certamente optou sabiamente a imperatriz por acreditar no fatalismo. Tenho a certeza que o meu amigo já deve ter reparado que sem querer responder directamente as perguntas que corajosamente há pouco nos colocamos, vemo-nos subitamente com uma delas respondida e com a outra praticamente desvendada: sendo a imperatriz a senhora suprema da nossa nação, como poderia ela delegar esse seu supremo poder a outra entidade que senão à sua própria pessoa e atribuir a responsabilidade do governo a uma força tanto invisível como inoportuna e inconcebível? Dito por outras palavras, de que serviria o poder de uma imperatriz se ela mesma comandada por um desígnio superior e inalcançável? E eis porque certamente optou sabiamente a imperatriz por não se dizer fatalista. E ora assim temos as nossas dúvidas respondidas! Que perspicaz imperatriz a nossa meu amigo!

domingo, 1 de março de 2009

Sobre a semelhança das coisas no tempo

"Do facto de os nossos futuros passados terem sido semelhantes aos nossos passados passados não se segue que os nossos futuros futuros serão semelhantes aos nossos passados futuros, a menos que pressuponhamos que os nossos passados futuros serão semelhantes aos nossos passados passados e os nossos futuros futuros serão semelhantes aos nossos futuros passados."

Bertrand Russell

Consciência da irrecuperabilidade do tempo

A obsessão pelo tempo foi substituída por um mórbido e desobediente desprovimento de vontade. A consciência nervosa, a urgência obcecada e...